Transformarmo-nos em fumo, por exemplo. Ou em nuvens. Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio". E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir a despedida. Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio. "Adeus! Adeus!" E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen... como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...
Estás aí? Consegues ver o menino que entretanto cresceu? Se eu conseguisse saber as respostas a estas perguntas, seria bem mais feliz... Tenho tantas saudades tuas, que já não tenho gritos que abafem a dor... Apesar dos 20 anos de ausência, ainda te amo muito PAI.